sexta-feira, 22 de maio de 2009

En-Cruz-Ilhada


È na encruzilhada que se vende a alma ao diabo e se conquista uma vida nova, lá despacha-se oferenda aos deuses. Lugar pra tomar o desvio e seguir por caminhos desconhecidos, lugar de escolhas pelo acaso nas viagens sem destino, lar primeiro de Robert Johnson, foi ali que ele criou seu nome próprio com a devida assinatura do cramulhão. Porém hoje está tudo estriado demais, estriaram tudo. O mar, a cidade, o Capão, o Oriente foram definitivamente estriados, controlados e circunscritos demais pra qualquer coisa que precise de espaço para fluir. É o Império do corpo organizado, a realeza do organismo. Assim ficou difícil qualquer saída que já não esteja nos manuais dos banqueiros ou do Mossad ou da Rondesp. Toda essa fragmentação e controle – devo confessar – me deixou perdidinho da silva. A impossibilidade de falar do tempo e da próxima festa. “Já comprei minha camisa, e você?” Decidi sair de fininho e fui direto a ultima ilha secreta que conheço, estou por lá já faz um tempo esperando a hora do regresso. Drop Out and Drop In. Se for pra ser crucificado que seja por aqui, sozinho, sem os gritos histéricos e os corpos cancerígenos a me circundar, somente peixes e coqueiros me circundam por aqui, fico vagando ao léu e sentindo o vai e vem das marés e segurando a ansiedade do retorno e tomando umas de vez em quando no boteco do mexicano, com meu amigo mexicano.
Basicamente fico parado o resto do tempo, quando não bato bola com os nativos na praia. Blasfemo, grito de dor, solto cantos de júbilo sozinho por que não lembro mais de nada do que deixei pra trás, trato de criar outra memória, outras sinteses, outro sexo, é esta a minha academia. Não faz cinco dias mandei uma mensagem aos comparsas, num email do qual não obtive respostas... Segredo total, mas pensei: - Será que eles ainda sabem guardar segredo? O plano infalível está prestes a entrar em ação, segurem seus rabos gordos na cadeira por que uma transformação irá pairar sobre vocês, pairar e não se abater pois não pretendemos montar nenhum outro culto. Ela na verdade sempre está pairando sobre todos, ela é a deusa Virtual, a musa que nos canta aos ouvidos suas lacônicas e quase imperceptiveis canções. Deixe eu me calar se não eu termino contando, essa minha boca grande do caralho!! Talvez não devesse ter começado, mais talvez não existe e agora já era e Inês é morta.
Sinceramente não posso afirmar o dia da volta, nem como voltarei. Na verdade não é possivel afirmar com precisção física aonde estou, estive ou estarei. Tudo se configura na forma de viagem, sem metaforas e nem analogias. O próprio movimento da vida, atualizações da deusa virtual, caminho que só se descobre caminhando, experimentação vivida e vivída experimentação. Cancelamento na conta do cinismo, caminhar rumo ao riacho, adquirir velocidades proprias, fugir. As imagens que mentiram devem ser retiradas do corpo num expurgo proximo aos do efeito da Ayuhasca. Em tempos de estriamento generalizado não adianta malhar e nem procurar intervenção cirurgica é preciso uma alta concentração, ficar imovel. Mineralização da vida, afinal as pedras não cantam mas rolam...

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Blogs e utopia!


“Portanto, é a natureza de instrumento que é louvada nas virtudes, quando se faz o elogio delas, e também o impulso cego dominante em cada virtude, que não é mantido nos limites pelo interesse geral do indivíduo; em suma: a desrazão da virtude, mediante a qual o individuo se deixa transformar numa função do todo. O elogio das virtudes é o elogio de algo privadamente nocivo – de impulsos que destituem o homem do seu nobre amor-próprio e da força para suprema custódia de si mesmo – É verdade que, para a educação e para a incorporação de hábitos virtuosos, enfatiza-se uma série de efeitos da virtude, que fazem parecer irmãs a virtude e a vantagem pessoal – e existe realmente essa irmandade!” (Friedrich Nietzsche – A Gaia Ciência, pág.70, aforismo 21)




O renascimento do romantismo utópico é algo que hoje mais do que nunca deveria ser estimulado. Em tempos de elogios cínicos de virtudes empobrecedoras do individuo a favor da coletividade. Onde a virtude do trabalho é colocada acima do desenvolvimento do mesmo (tanto do trabalho quanto do individuo), é preciso resgatar a idéia de um enriquecimento próprio em detrimento dos lugares comuns do que esta posto. Descobri a beleza do adjetivo utópico no seu berço etimológico grego: u-tópos – aquilo que não tem lugar. O virtual? O homem médio em plena era da virtualidade é ensinado a desacreditar do que possa ser criado, de qualquer movimento do vir-a-ser, do que ainda não está aí, nem aqui.
Se nos reapropriassemos de uma idéia forte de utopia, idéia primordialmente imanente, pois não espera aquilo que virá do céu, milagre ou dádiva, seria também necessário pensar-mos etimologicamente na própria idéia de “Virtu”. A saber: “A virtus é a qualidade de um vir digno desse nome, o que poderá ser... Pois o termo designa de modo geral, a realização em cada um de sua natureza.” (Vocabulário Latino da Filosofia, Jean-Michel Fontanier)
Assim pensamos que utopia e virtude podem andar de mãos dadas, enquanto elementos possíveis de criação. Para além de qualquer receita ética, gostaríamos de destacar apenas que, mediante uma reapropriação de possibilidades que nos fazem não perceber, não ser visto ou conhecido, é possível potencializarmos nosso dia a dia, nossos anseios. Para além do olho único da TV, uma busca de novos horizontes e agenciamentos, aprendizado pela dor do isolamento e da solidão auto-proclamada. Solidão nos meios próximos como único resquício capaz de pensar a si e a outrem. Espaço da alteridade potente o suficiente para a corrida em busca da estética da existência... Uma outra ecologia do virtual, como espaço e tempos recuperados!O espaço virtual é uma selva não tenha dúvidas, porém também um zoológico, determindados sitios carregam uma dupla potência, reterritorializar e desterritorializar. Afinal os estratos sedimentam-se e explodem em qualquer território e a internet não é diferente.
O weblogger Carlos Inácio vem provando que na busca da criação de espaços virtuais é possível sim, atualizar, traçar potentes agenciamentos insuspeitos até então. Seu blog Born Too Lose, tem rizomatizado de forma a compor linhas de fuga criadoras de resistência. Potencializando a arte de um local remoto do nosso país: Ponte Nova. Ao mesmo tempo em que dá visibilidade aos artistas locais, Krlim como é conhecido entre os amigos de lá e de cá, desenvolve relevantes avaliações estéticas acerca dos seus conterrâneos. Filho e irmão de artistas esse saxofonista, violonista, filosofo profissional sem perder o amadorismo - causa de toda paixão -, além de desenvolver sua escrita poética faz o que de melhor se pode hoje em dia: faz o link. Fazer o link, não é simplesmente se ligar a algo, antes deveríamos pensar no link como uma porta ou uma flecha que nos leva ao desconhecido. Neste caso os trabalhos que nos são apresentado, são de uma diversidade e qualidades impressionante: Artes plásticas, fotografia, música e escultura.

A vontade de escrever este pequeno texto surgiu justamente da percepção desta potente movimentação. Perceber como um sentimento irrompe, e consegue congregar multiplicidades num projeto onde a criação de um lugar (topos) é fruto de uma atitude e de um objetivo individual (romântico). Movimento minoritário por excelência, reconhecimento da possibilidade da criação de outros enunciados, repatriamento dos filhos de uma terra localizada, em pleno Virtual! Os modos de fazer se apresentam a todas as forças criadoras no exato momento que essas se põem a dançar na beira do abismo, afastando de si as certezas e objetivos pré-estabelecidos de vantagem e engrandecimento egoísta. É hora de perceber o horizonte como um deserto seco, rude, migrar até lá e povoa-lo, se atentar para esta potência ecológica que pode ser o virtual, que cresce se prolifera pelos quatro cantos do mundo, apróxima os homens e mulheres que possuem interesses afins na mesma medida que domestica os que aqui/lá entram em busca de um pequeno remédio contra o tédio.

Elemento que pode ser de resistência, portfólio para artistas, busca de materiais artísticos, democratização da informação, destruição definitiva do copyright. Possibilidade de recriação subjetiva, elemento de potencialização do auto-didatismo... Elencar as possibilidades e correr para desbravar esta mata, encontrando suas próprias trilhas é a função de cada um. Não há receita pronta nem para as virtudes nem para as localizações. Não se deixar prender no zoológicos virtuais, a internet será o nosso deserto, pombo correio e sinais de fumaça, uma seta lançada na direção do futuro...


Ps: Para conhecer o trabalho do Carlos Inácio e dos agregados e blogs amigos que ele criou é só acessar:

http://www.krlim.blogspot.com/

O Céu do cruzamento de estilos com a Música Popular Brasileira: O Cangote!


Entre o pescoço, tronco e os membros. Quem disse que o pensamento nasce na cabeça? No seu novo EP intitulado Cangote, espécie de petisco para seu próximo disco cheio, a cantora paulista Céu não nos mostra nada de diferente do que já nos havia presenteado com seu disco de estréia o belíssimo Céu de 2005. A falta de diferenças é aqui um elogio, afinal os que souberam apreciar o frescor trazido com sua aparição, vão apenas reafirmar todo o talento de uma artista que trafega lindamente pelo reggae, afro-beat, hip-hop, jazz, eletrônica e pela música popular do Brasil. E esse é para nós o grande mérito da artista. Não fazer de nenhuma paquera, um caso de paixão obsessiva. O tratamento dado a cada canção no seu álbum de estréia e aqui nesse EP é de modo a não fazer nada sobressair-se por demais, causando assim o efeito de matar a música em favor do gênero. É justamente a graça da Céu, agraciar as diversas matrizes aonde ela bebe de modo a produzir antropofagicamente a nossa música, simulacro pós-moderno nesse sentido. A perda de referência aqui esta a favor de um percurso, não importa de onde se está vindo, Céu faz o canal.
Auxiliada por excelentes músicos, eles e a cantora costuram entre as 4 faixas deste EP texturas e tonalidades musicais inusitadas. Os trabalhos se abrem com uma levada meio orientalizante de nome Bubuia, com belos trabalhos de guitarra que formam um pano de fundo brilhante para o batuque que empurra a música a uma atmosfera conscientemente chapada, flutuando sem tirar os pés do chão. Esta música, uma espécie de mantra esquentando, nos faz vislumbrar uma descrição existencial, espécime de prólogo para o que vem a seguir, pois o disco pode ser chamado de calminho, o que não é nem um pouco pejorativo. Aos que se deliciaram com o seu cover de Concrete Jungle do mestre Bob Marley, Céu vem agora com mais um belíssimo espécie jamaicano, a música título do disco: Cangote. Em Cangote os trabalhos de teclado e back vocals se destacam, extraindo efeitos diferentes do que comumente vemos nas bandas de Reggae. Com uma letra afetivo-malemolente, somos novamente levados neste turbilhão de qualidade e canibalismo que Céu e seus músicos nos propõem. Aliás, nesse disco a cantora deixa seus flertes com as sonoridades jamaicanas mais desavergonhados. De título Sonâmbulo, um ragga cantado com o swingue necessário e o balanço primordial da ilha, é a terceira faixa inédita, entoada, a forte letra desta canção é uma crítica da domesticação sensorial do que o mass-midia propõem como elemento de controle social e empobrecimento subjetivo:

"Numa espécie de limbo, sonâmbulo anda feito pêndulo, ora pende dormindo, ora pende contra o tempo e faz deste inimigo atrasado, correndo, justifica um vazio interno imenso, fugas mentais ocupam os pensamentos, até que se torne incapaz de se ocupar a si mesmo, Tvs, cine jornais, quimicas um intento: bloquear os canais, domesticar seus anseios. Que é bom desconfiar dos bons elementos.( refrão)
Feito histórias de Moebius vão tirar sua visão, te dar olhos passivos adequados ao padrão."

E depois dessa porrada, pra fechar o disco e nos deixar tremendo e se coçando na espera do seu próximo trabalho, uma releitura: Visgo de jaca (Sergio Cabral e Rildo Hora). Entre o funk e o samba, a música ressurge com toda sua potência revigorada. Céu demonstra que os rótulos apenas servem para as enciclopédias e os fariseus da cultura, o que importa e sempre importou quando se trata de música, são as torções que os criadores operam na tradição. De Beethoven a Hendrix, de Chiquinha Gonzaga até Paulinho da Viola...


Onde achar:

O disco pode ser baixado em http por este link: http://lix.in/-4fa1f8
Por via do torrent, com muitas sementes e boa conexão: www.sombarato.org